Por Fabiano Maia – Advogado
A vida do empresário no Brasil é marcada por uma rotina de enfrentamento contínuo. Não se trata apenas de competir no mercado, inovar ou alcançar metas financeiras. Antes de tudo, o
empresário moderno luta para sobreviver em um ambiente jurídico complexo, instável e, por vezes, hostil. A teia de normas trabalhistas, tributárias, regulatórias e procedimentais funciona
muitas vezes como um campo minado, onde um passo em falso pode significar pesadas sanções, autuações ou até a inviabilização do negócio.
Este artigo propõe uma reflexão jurídica aprofundada sobre as principais dores enfrentadas pelos empresários no Brasil, especialmente no que diz respeito à legislação e à atuação dos órgãos da
administração pública. Ao final, ressalta-se a relevância do papel do advogado como parceiro estratégico e não apenas como solucionador de litígios.
1. Insegurança Jurídica e Instabilidade Normativa
Uma das principais queixas do empresariado diz respeito à insegurança jurídica. No Brasil, há uma multiplicidade de leis, regulamentos e interpretações — muitas vezes conflitantes — que
mudam com frequência e geram dúvida quanto à conduta correta.
O empresário é obrigado a se manter constantemente atualizado com alterações na legislação tributária, trabalhista, ambiental, sanitária, urbanística, entre tantas outras. A ausência de consolidação normativa e o excesso de normas infralegais (portarias, instruções normativas, resoluções) tornam a gestão do compliance um verdadeiro desafio.
Além disso, o fenômeno da judicialização excessiva contribui para essa incerteza: decisões judiciais divergentes sobre os mesmos temas, mudanças de entendimento nos tribunais superiores e a morosidade dos processos impactam diretamente os negócios.
2. Legislação Trabalhista: Complexidade e Risco
Apesar da Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/17), o Brasil ainda ostenta uma legislação trabalhista considerada excessivamente protetiva, rígida e cheia de armadilhas para o empregador.
Entre os principais desafios enfrentados pelos empresários estão:
• A dificuldade em aplicar regimes de jornada flexível, especialmente em setores que demandam dinamicidade.
• O ônus da prova sempre tendendo contra o empregador em ações trabalhistas, mesmo diante da possibilidade de má-fé do reclamante.
• A responsabilização solidária em cadeias produtivas, que gera preocupação adicional ao contratar fornecedores e terceirizados.
• A dificuldade de encerrar contratos de trabalho sem exposição a riscos de passivos trabalhistas, mesmo quando há negociação com o empregado.
O número de ações trabalhistas no Brasil, ainda elevado, ilustra como a legislação continua sendo fonte de conflitos, mesmo após tentativas de modernização.
3. Sistema Tributário: Complexidade, Custo e Contencioso Infinito
A carga tributária é apenas parte do problema. O maior desafio é a complexidade do sistema tributário brasileiro.
São dezenas de tributos federais, estaduais e municipais — cada um com regras próprias, obrigações acessórias, regimes especiais e entendimentos diversos entre entes federativos. O fenômeno conhecido como manicômio tributário é real e amplamente reconhecido, inclusive por órgãos internacionais.
Além disso:
• A alta litigiosidade fiscal é uma característica marcante. Empresas enfrentam processos administrativos e judiciais tributários que podem durar décadas.
• Há autuações arbitrárias, muitas vezes com interpretação extensiva por parte dos fiscais, forçando o contribuinte a recorrer ao Judiciário como única alternativa.
• O contencioso tributário brasileiro ultrapassa R$ 5 trilhões, valor superior ao PIB nacional, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
• A coexistência de normas federais, estaduais e municipais leva à bitributação e à guerra fiscal, principalmente no ICMS.
Mesmo reformas pontuais como a Lei Complementar 194/2022 (que limitou alíquotas do ICMS
sobre combustíveis e energia) mostram que a estabilidade é sempre temporária, pois os entes
federativos encontram novas formas de compensar perdas.
4. Processos Judiciais como Risco Empresarial
O ambiente judicial é, para o empresário, tanto um recurso quanto uma ameaça. Muitos empresários são obrigados a recorrer ao Judiciário para garantir seus direitos, mas o custo desse
acesso é elevado, e o tempo de resposta é lento.
Há, ainda, o risco de serem demandados judicialmente em diversas frentes simultâneas, seja na área cível, trabalhista, consumerista ou ambiental. Cada ação significa:
• Bloqueio de contas bancárias e bens;
• Custos processuais, periciais e honorários;
• Danos à reputação empresarial;
• Tempo e energia desviados da atividade-fim.
Empresas de médio porte muitas vezes não possuem departamentos jurídicos robustos e acabam mais expostas a decisões judiciais desfavoráveis por falhas processuais ou omissões simples.
5. Ineficiência dos Órgãos da Administração Pública
Outro fator de sofrimento cotidiano é a ineficiência estrutural dos órgãos públicos com os quais o empresário precisa se relacionar. A morosidade, a falta de padronização e o despreparo técnico de muitos agentes públicos prejudicam profundamente a atividade econômica.
Exemplos recorrentes incluem:
• Demoras na obtenção de licenças e alvarás, mesmo quando a documentação está correta;
• Negativas infundadas por parte de agências reguladoras ou secretarias municipais;
• Falta de transparência e de canais eficientes de recurso administrativo;
• Excesso de burocracia eletrônica, com sistemas digitais mal integrados e instáveis.
O resultado é a judicialização de questões que deveriam ser resolvidas no âmbito administrativo, ampliando o custo e o tempo de resolução para o empresário.
6. O Papel Estratégico do Advogado na Vida Empresarial
Diante desse cenário, a atuação do advogado vai muito além do contencioso. O profissional jurídico moderno deve ser um agente de proteção, prevenção e estratégia dentro do ambiente
empresarial.
a) Compliance e Governança Jurídica
O advogado é fundamental na estruturação de programas de compliance tributário, trabalhista e regulatório, com foco em prevenção de riscos, capacitação interna e mapeamento de
vulnerabilidades.
b) Planejamento Jurídico-Tributário
Atuar estrategicamente na escolha de regimes tributários, análise de impactos de novas legislações, reestruturação societária e proteção patrimonial. O advogado tributarista é uma peça-chave na sustentabilidade dos negócios.
c) Mediação e Arbitragem
Com a judicialização em alta e o Judiciário sobrecarregado, advogados especializados em resolução alternativa de conflitos são extremamente valiosos, reduzindo tempo e custo para o cliente.
d) Atuação Preventiva em Direito do Trabalho
É papel do advogado orientar o empresário em práticas trabalhistas seguras, elaborar contratos sólidos, treinamentos gerenciais e acompanhar rotinas de RH com foco preventivo.
e) Representação em Procedimentos Administrativos
O advogado é o interlocutor ideal com a administração pública. Desde a elaboração de defesas administrativas, impugnações, recursos, até a condução de reuniões com órgãos reguladores e
fiscais, o suporte jurídico é essencial.
f) Educação Jurídica do Empresário
Por fim, o advogado deve ser educador jurídico do empresário e da equipe executiva. Muitos erros decorrem de puro desconhecimento. A capacitação jurídica contínua reduz riscos e melhora a performance empresarial.
Conclusão
A dor do empresário moderno é real, complexa e muitas vezes invisível à sociedade em geral. Ela nasce de um ambiente legislativo caótico, de um Judiciário moroso e de uma administração
pública ineficiente. Ao mesmo tempo, há um espaço claro e crescente para a atuação estratégica da advocacia.
O advogado que compreende esse contexto e atua de forma proativa torna-se muito mais que um defensor em juízo: torna-se um aliado de negócios, um conselheiro estratégico e um guardião da viabilidade empresarial.
Diante dos desafios que o empresário enfrenta, a advocacia tem uma missão crucial: transformar o risco jurídico em segurança, e a complexidade legal em vantagem competitiva.